Educação para o cuidado: A distância entre o pensar e o agir

Há alguns anos as questões referentes ao cuidado com a pessoa idosa tornaram-se alvo de importantes reflexões e debates que ocupam espaço na busca da regulamentação da profissão e da formação do profissional. Um assunto que se arrasta aprisionado por correntes enquanto o envelhecimento populacional se acentua a passos largos.

Não temos dúvidas de que a regulamentação da profissão de cuidador merece uma resolubilidade que a engrenagem político-administrativa não está conseguindo atender a contento. O Código Brasileiro de Ocupação (CBO) definiu o código 5162-10 para a categoria de “cuidadores de crianças, jovens, adultos e idosos” para que seja anotado na carteira de trabalho no ato de sua contração. O que não basta para encerrar a questão.

A discussão sobre a regulamentação desta ocupação como uma nova profissão no mercado é ponto gerador de uma celeuma sem fim. Afinal o que é e o que não é atribuição de um cuidador? Qual é o campo de atuação? Quais são as suas competências? Quem é o responsável pelo cuidado? Tanto a se definir numa discussão que caminha a passos de cágados. E uma vez definidas essas pendências ainda há que se pensar em como operacionalizar o modo de trabalho, tamanha a complexidade da situação que será desenhada dependendo das peculiaridades do sujeito desse processo.

E este é um tema urgente. Nosso arsenal de políticas, desde a Constituição nacional, imputa à família o cuidado aos seus idosos. E esta vai se assumindo como única provedora de cuidados. Pela falta de implementação das políticas que hoje se configuram como a letra morta da lei, as famílias executam tarefas de toda natureza: administram medicações, realizam nebulizações, curativos, auxiliam no desempenho das atividades de vida diária etc. Quando conseguem um cuidador para que possam conciliar sua vida pessoal com a vida de prestadora de cuidados, orientam sobre o que deve ser feito a sua maneira.

No entanto, quando se fala em cuidador da pessoa idosa, a discussão se prende ao fazer profissional e a situação se arrasta até que se defina o que pode fazer um cuidador. Pontos importantes são destacados: o cuidador pode administrar medicação? Pode fazer nebulização? Pode realizar os primeiros socorros? Pode aferir a pressão arterial ou a temperatura axilar? Via de regra não. Essas são atribuições que pertencem a outros profissionais. E é neste cenário que se faz necessário encontrar uma solução, visto que uma família, quando está cuidando de um idoso, realiza todas essas tarefas. Porém, ao contratar um profissional não poderá orientá-lo? Enfim… é necessário se chegar a um consenso.

Enquanto essas questões não se desenrolam a vida segue e o cuidador é, cada vez mais, um profissional necessário e urgente. E a capacitação profissional deve se fazer presente. Não se pode correr o risco de que pessoas sem habilitação passem a assumir essa tarefa.

No ano de 2014, a SBGG, preocupada com os rumos da regulamentação da profissão de cuidador, elaborou um texto para a formação daqueles que ingressam na tarefa de cuidar. Esse material foi cuidadosamente preparado em oficinas pedagógicas realizadas nos congressos estaduais de São Paulo e do Rio de Janeiro, em 2013, e em Belém, em 2014. Este texto, que denominamos como um documento norteador, tem a finalidade de sugerir alguns pressupostos para a capacitação inicial de indivíduos que buscam qualificação antes de iniciarem a tarefa de cuidar.

A SBGG preconiza que um curso, para atender às necessidades mínimas de capacitação, deve contar com uma carga horária significativa, podendo esta ser fixada entre 80 e 120 horas. Embora tenha a clareza de que quanto mais extenso, maior é a possibilidade de passar ao aluno conteúdos fundamentais à prática do cuidar. Sugere-se, ainda, que o corpo docente seja composto por profissionais de diversas disciplinas, com nível universitário, experiência de qualidade na área do envelhecimento e ampla visão gerontológica. Ressalta-se a importância de os cursos terem em seu quadro docente, pelo menos, um especialista em Gerontologia ou Geriatria afim de subsidiar tecnicamente o conteúdo pedagógico. Além disso, o docente deve ter habilidade para desenvolver conteúdos pedagógicos relacionados ao processo ensino-aprendizagem.

O conteúdo deve estar fundamentado, sempre que possível, no estímulo à preservação da independência da pessoa idosa. Embora seja imprescindível levar ao aluno a noção de que seu papel está relacionado à ajuda no desempenho das atividades de vida diária, com ênfase no respeito, na reciprocidade, na solidariedade e na liberdade. O aluno deve entender que quando assume a tarefa de cuidar está ajudando uma pessoa a viver. O curso deve ser programado com base em cinco pilares de sustentação:

  • Interação e comunicação

A comunicação é tudo na relação de cuidado. A comunicação não é apenas um ato verbal. O corpo, o olhar, os gestos, as atitudes também falam. Desenvolver conteúdos que possam propiciar ao aluno um entendimento sobre como perceber a pessoa que está sendo cuidada seja a linguagem utilizada verbal ou não. Uma abordagem sobre a rede de proteção à pessoa idosa é fundamental, visto que estará em constante articulação com a mesma.

  • Cuidado em relação às atividades de vida diária

Um conteúdo pautado nos conceitos de dependência, independência e autonomia, pode ajudar o aluno a identificar as reais necessidades de cuidado. Isso facilitará o planejamento das atividades de suporte à pessoa que necessita de cuidado.

  • Prontidão para agir em situações imprevistas

O curso deve dar ênfase à importância da prontidão em situações de emergências que exigem do cuidador equilíbrio e destreza para lidar com o inesperado. Um bom aporte sobre como agir, recursos disponíveis, a comunicação com a equipe e com a família, são elementos essenciais para as boas práticas do cuidado.

  • Prevenção de risco, acidentes e prevenção da violência

Conteúdos sobre prevenção podem ajudar o aluno a desenvolver um olhar crítico sobre o ambiente em que vive a pessoa a ser cuidada e, dessa forma, será criterioso no desempenho de suas atividades evitando problemas futuros, promovendo um ambiente seguro e assegurando a integridade física e psicológica. Conteúdos sobre a violência e suas consequências ajudarão o aluno a conhecer as faces da violência e reconhecer quando, mesmo não intencionalmente, torna-se um perpetrador de atos violentos.

  • Direitos da pessoa idosa

Por fim, conteúdos sobre os direitos da pessoa idosa devem atravessar todo o conteúdo programático. Não se pode trabalhar com qualquer segmento etário sem que se conheça a legislação que o ampara.

Quanto à metodologia de ensino, recomenda-se a prática dialógica, respeitando-se o potencial dos alunos e abrindo a escuta para suas experiências, que podem converter-se em conteúdo pedagógico. Questões culturais também são da maior relevância. Faz mister a organização de uma programação que leve em consideração as diferenças regionais desse imenso país.

A vivência prática pode ser considerada o suprassumo de um curso de cuidadores. O estágio supervisionado fará toda a diferença na formação. Recomenda-se uma carga horária mínima de 16 horas para que o aluno conheça, de forma geral, o sujeito de sua intervenção. Ou seja, entre em contato com uma pessoa dependente. Neste sentido, as Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPI) constituem-se em excelente cenário de prática. Parcerias podem agregar valor a esse conteúdo e à formação.

Por fim, a SBGG recomenda que os interessados em ingressar na profissão de cuidador procurem por cursos que tenham uma boa referência, que possuam uma carga horária extensa, com conteúdo abrangente, abordagem multidisciplinar e instrutores qualificados.

Maria Angélica Sanchez
Presidente do Departamento de Gerontologia da SBGG – Biênio 2014-2016